terça-feira, 1 de setembro de 2015

Uma mudança de ares, perda de conceitos e a relatividade de Sturgeon

Olá a todos, mais uma vez, depois de dois anos!

Venho arrastado pra voltar a escrever aqui. Acho que o blog perdeu um pouco da função depois do aparecimento de tantos grupos que de alguma forma abordam o reenactment. Sem contar um distanciamento de minha parte na prática e de um natural amadurecimento pessoal, coisa que acontece com a maioria das pessoas depois de longos períodos de tempo. Acontece que hoje, por motivos infinitos, resolvi escrever. Quem sabe não posto de novo ainda esse ano?

Bom, o tema principal de hoje é a mudança de cenário de dois anos atrás pra hoje. Naquela época tínhamos o quê? Meia dúzia de grupos de recriacionismo medieval no Brasil? Sérios devíamos ser uns três ou quatro. Hoje pelo menos no Sudeste tem um grupo em cada capital. No Paraná existem outros. E sinceramente nem sei mais, foi-se o tempo que eu realmente andava "antenado" nisso ou que eu me preocupava com isso.

O aparecimento de grupos de recriacionismo no Brasil é uma notícia que traz duas consequências: uma popularização da prática, a ponto de não ser mais vista com olhares cheios de receio e de certo modo preconceito e a quase infalibilidade da Lei de Sturgeon. Pros que não sabem, a "Lei de Sturgeon" afirma que 90% de qualquer coisa é uma porcaria.

Junto com o reenactment outras atividades tem ganhado notoriedade entre os entusiastas, inclusive havendo uma certa "interdisciplinaridade" mútua, principalmente o HMB e as HEMA, que já mencionei em outras postagens, embora que, assumo, talvez tenham sido explicadas de forma errônea. Vivendo e aprendendo e assim como qualquer um que esteja lendo, não sei de tudo.

Assim como no esporte, existe gente que fala que reenactment é mais legal ou que HEMA é mais preciso ou que HMB é mais másculo ou whatever. Parabéns para você que não acha que tudo deve estar em uma hierarquia vertical, porque assim como nós somos diferentes, as atividades também são e visam coisas distintas. Um babaca com baixa auto-estima em relação ao próprio quoeficiente de testosterona armado com um falcione obviamente vai apreciar o HMB muito mais do que HEMA. Mas veja só: uma estudante de História interessada no aspecto "bagunça" de uma batalha mais próxima possível do real também. Não existe isso de esteriótipos de participantes.

O exemplo mais claro disso é uma feira recriacionista qualquer. Você encontrará senhores de idade ao lado de adolescentes, mulheres e homens, pessoas que estão ali pela farra e pessoas que estão ali por motivos mais introspectivos... Enfim, os motivos são diversos. E isso é positivo, afinal se você quer recriar um período ao máximo você precisa de todas as diferenças subjetivas possíveis.

O reenactment, obviamente, não é HMB ou HEMA, pois ele não se limita a um único aspecto de determinada época. E é por isso que ele é tão confuso na cabeça de muitos recriacionistas ou entusiastas no Brasil. Digo no Brasil pois, bom, dois anos atrás o cenário era bem menor do que é hoje. Nós não temos uma "cultura de reenactment". Ainda.

A confusão surge quando alguns acham que quando você luta com armaduras do século XIV você faz HMB e quando você usa apenas um escudo redondo, um elmo nasal e uma espada viking você faz reenactment. Sério, já vi gente falando isso. Ou que uma espada é só pra HMB e não para outras coisas, como HEMA, por conta do peso e balanço, quando AMBAS tentam replicar ao máximo uma original do período em questão. Teoricamente elas não deveriam ser iguais? Aí entram aspectos quanto a durabilidade... Mas não deveriam todas aguentar?

Muito disso é moda. Dois terços dos praticantes de qualquer uma dessas atividades vieram de outra delas ou ainda do swordplay ou RPG. E não que isso seja negativo, pelo contrário, acredito mesmo que devemos testar essas atividades enquanto nos interessamos e eventualmente encontrar alguma que nos complete ainda mais - desde que isso não envolva arriscar a vida de terceiros. Ou desde que isso não seja crime... Enfim, deu pra entender.

Novamente, não temos uma cultura da coisa toda, pois ainda é tudo muito recente. Observando algumas fotos de eventos "recriacionistas" europeus da década de 80 ou 90 é engraçado imaginar como aqueles caras de coturno hoje são os tiozões respeitados na rodinha. Ocorree uma evolução do conceito, um refinamento, o surgimento de uma cultura. E para isso foi necessário um bom tempo de amadurecimento da ideia e, principalmente, dessa gente toda.

No entanto, com a comunicação do jeito que anda e tudo o mais, acho uma verdadeira burrice termos que sofrer vinte, trinta anos para consolidar uma prática (ou algumas, levando em conta as outras citadas aqui) sozinhos, sendo que podemos usar do exemplo alheio. E a prática vai demorar para se consolidar se mantivermos bairrismos e grupismos que não existem nem na própria Europa, com tantos e tantos movimentos separatistas e tudo o mais.

Bom, o primeiro passo nós já demos, estamos ganhando quantidade, ao menos. E eu, como alguém interessado em certos purismos, me questiono quanto à qualidade destes novos medievalistas, que compartilham sem nenhum julgamento afirmações de memes sem fontes e coisas similares. Ou que criticam severamente aqueles que gastam mais tempo estudando do que fazendo as coisas. Ou ainda que simplesmente "bostejam" pelo puro e simples prazer em bostejar.

Mas é aí que acho importante a tal da lei de Sturgeon. 90% dos nossos reenactors são ruins (mas, por ruins, classifico igualmente o cara que é realmente péssimo e também o cara regular, mas esforçado. É só uma categoria, não vou complicar a lei do cara). Pois é. 90% dos da Europa também. Acontece que aqui os 10% ainda são poucos e por isso é importante nesse estágio infantil de nossa cena que cresçamos em número, independente da seriedade desse contingente. Para que um dia esses 10% sejam de alguma forma expressivos e, talvez, sirva de inspiração para o resto. Obviamente que como toda lei universal criada por um escritor de ficção científica essas proporções podem variar e eventualmente os 10% superem em número o resto, como aos poucos aconteceu com a Europa e como com certeza um dia vai acontecer no Brasil. O grande problema que aflige inconcientemente alguns dos bons reenactors daqui é quando esse dia vai acontecer.

Alguns, perderam o saco e simplesmente focam-se nos próprios umbigos, fortalecendo seus próprios redutos, enquanto outros gritam como cruzados de uma causa desesperada, tentando cumprir uma espécie de profecia onde o nome do "escolhido"ainda está vago. Eu me enquadro no primeiro grupo, embora já me enquadrei no segundo. Aliás, criei esse blog justamente pra isso, até me convencer de que esse cara não seria eu.

Existem grupos e grupos, pessoas e pessoas E alguns indivíduos que dois anos atrás eu via com certo descontentamente hoje são o exemplo de tudo aquilo que escrevi de melhor aqui. E outros simplesmente continuaram agindo da pior forma que pude exemplificar, quando não pioraram (e é, tem gente que piora).

Uma coisa é fato, teleológico: um dia teremos uma "cena" respeitável. Os indícios são o surgimento de novos focos interessados, viagens internacionais realizadas por entusiastas, surgimento de novas festas temáticas a cada ano... Uma hora a coisa realmente vai, independente de tentarmos com afinco corrigir os erros dos outros ou não.

Só nos resta decidir se estamos do lado dos 10% ou dos 90%. E quanto mais gente tiver de um lado, naturalmente mais gente terá do outro. Todo mundo ganha.